domingo, abril 17, 2011

O livro de mármore


Rui Chafes
"Entre o céu e a terra (a história da minha vida)"
Púbico, P2, 15 de Abril 2011, p.4-6

"(…) Para esse grande mestre trabalhei, sobretudo, a executar os cabelos e as mãos dos Santos. Essa tarefa, reservada aos aprendizes mais dotados, deu-me uma noção muito exacta de como capturar a passagem do sopro (a Voz de Deus) na leveza dos cabelos e de como testemunhar a força desamparada e efémera dos batimentos do coração no interior de um corpo, essa outra forma de Voz de Deus, a força que dá sentido a todos os gestos que as nossas mãos executam (ou assumem) ao longo da nossa passagem na terra.
(...)
O que se passa debaixo da crueza da luz do sul é uma forma de benevolência mascarada de impaciência: aceitamos as imperfeições do real com a mesma voracidade com que devoramos (ou desejamos devorar) as suas perfeições. É nesse implacável balanço entre peso e leveza, entre agrura e doçura, que os povos do sul sempre construíram, no meio do maior caos, a grandeza arcaica do seu destino. (…)"

foto do Túmulo de Valentine Balbiani, Germain Pilon (1540?-1590)
flickr.com/photos/mr-pan/951637299/